Observando o processo de mundialização, entendido como nova etapa da humanidade e da Terra, no qual culturas, tradições e povos os mais diversos se encontram pela primeira vez, tomamos consciência de que podemos ser humanos de muitas maneiras diferentes e que se pode encontrar a Última Realidade, a mais íntima e profunda, seguindo muitos caminhos. Pensar que há uma única janela pela qual se pode vislumbrar a paisagem divina é a ilusão dos cristãos do Ocidente. É também o seu erro. Hoje o atual Papa vive repetindo a sentença medieval, superada pelo Vaticano II, de que “fora da Igreja não há salvação”. Para ele, ela é a única religião verdadeira e as outras são tão somente braços estendidos ao céu, mas sem a certeza de que Deus acolha esta súplica. Pensar assim é ter pouca fé e imaginar que Deus tem o tamanho da nossa cabeça. Quem não encontrou pessoas profundamente piedosas de outras religiões, nas quais se percebe claramente a presença de Deus? Não reconhecer tal realidade é, na verdade, pecar contra o Espírito Santo, que está sempre alimentando a dimensão espiritual ao largo dos tempos históricos.
Nas minhas muitas viagens, nos encontros com culturas diferentes e com pessoas religiosas de todo tipo, me dei conta da necessidade que todos temos de aprender uns dos outros e da profunda capacidade de veneração da qual os mais diferentes povos dão convincente testemunho.
Há alguns anos, dei palestras em muitas cidades da Suécia sobre ecologia e espiritualidade. Numa ocasião, me levaram quase ao pólo norte, onde vivem os samis (esquimós). Eles não gostam de encontrar estrangeiros. Mas sabendo que era um teólogo da libertação, quiseram conhecer esta raridade. Vieram três líderes indígenas. O mais velho logo me perguntou: “Os índios do Brasil casam o Céu com a Terra ou não”? Eu logo entendi a intenção e respondi de pronto:”Lógico que casam, pois deste casamento nascem todas as coisas”. Ao que ele, feliz, retrucou: “Então são ainda índios e não são como nossos irmãos de Oslo que já não acreditam no Céu”. E dai seguiu-se um diálogo profundo sobre o sentido de unidade entre Deus, o mundo, o homem, a mulher, os animais, a terra, o sol e a vida.
Experiência semelhante vivi em 2008 na Guatemala, quando participei de uma belíssima celebração com sacerdotes maias junto o lago Atitlan. Havia também sacerdotisas. Tudo se realizava ao redor do fogo sagrado. Começaram invocando as energias das montanhas, das águas, das florestas, do sol e da mãe Terra. Durante a cerimônia, uma sacerdotisa se avizinhou de mim e disse: “Você está muito cansado e deve ainda trabalhar bastante”. Efetivamente, por vinte dias percorri, de carro, vários paises, participando de eventos e dando muitas palestras. E então ela, com seu polegar, pressionou meu peito, na altura do coração, com tal força a ponto de quase me quebrar uma costela. Tempos depois, retornou a mim e disse: “você tem um joelho machucado”. Eu lhe perguntei: “como sabe”? E ela respondeu: “eu o senti pela força da Mãe Terra”. Com efeito, ao desembarcar na praia, retorci o joelho, que inchou. Levou-me junto ao fogo sagrado e por trinta a quarenta vezes passou a mão do fogo ao joelho até que esse desinchasse totalmente. Antes de terminar a celebração, que durou cerca de três horas, retornou a mim e disse: “está ainda cansado”. E novamente pressionou fortemente o polegar sobre meu peito. Senti estranho ardor e de repente estava relaxado e tranqüilo como nunca antes.
São sacerdotes-xamãs que entram em contacto com as energias do universo e ajudam as pessoas no seu bem viver. Certa vez perguntei ao Dalai Lama: “Qual é a melhor religião”? E ele, com um sorriso entre sábio e malicioso, respondeu: “É aquela que te faz melhor”. Perplexo continuei: “O que é fazer-me melhor”? E ele: “aquela que te faz mais compassivo, mais humano e mais aberto ao Todo. Esta é a melhor”. Sábia resposta que guardo com reverência até os dias de hoje.
segunda-feira, 25 de maio de 2009
quinta-feira, 21 de maio de 2009
segunda-feira, 18 de maio de 2009
Situação psicossocial

“... A maioria de nós somos vítimas de nossas histórias psicossociais ou omissos diante da miséria do outro. Uma minoria é agente modificador da sua história, agente expansor do humanismo, da cidadania e dos direitos humanos derivados da democracia das idéias.
Temos que nos perguntar em que situação psicossocial estamos. Temos que nos perguntar se somos meros transeuntes existenciais, que passam pela vida sem criar raízes mais profundas dentro de si mesmos, ou se estamos nos interiorizando e expandindo nossa maturidade intelecto-emocional e aprimorando nosso humanismo e cidadania.
O conhecimento superficial da mente, bem como o empobrecimento do humanismo e da cidadania, não superam as barreiras da interpretação geradas pela comunicação mediada, pelo fenômeno da psicoadaptação e pela co-interferência de um conjunto de outras variáveis. Não é incomum que os governantes das nações mais ricas se adaptem psiquicamente diante da miséria das nações mais pobres e se tornem omissos sociopoliticamente, desculpando e camuflando suas omissões através da preocupação com seus problemas domésticos.
Se acharmos que o problema do outro é de responsabilidade apenas da sociedade e das instituições sociais em que ele está inserido, estamos negando o fantástico salto da memória instintivo-genética para a memória histórico-existencial que financia a construção de pensamentos e a formação da consciência existencial, capazes de nos levar a compreender que, independentemente das distâncias geográficas, culturais, raciais, políticas, somos uma única espécie.
O processo socioeducacional superficialista impede-nos de ter uma macrovisão psicossociofilosófica da espécie humana. Quem é que ouviu dos seus professores, na sua trajetória escolar, uma defesa “contínua” e “apaixonada” pela unidade da espécie humana, capaz de provocar uma conscientização sobre a perda do sentido psicossocial da espécie e sobre a necessidade vital de cooperação social intra-espécie; capaz de proclamar o espetáculo da construção multifocal dos pensamentos na mente de cada ser humano e de evidenciar a desinteligência e o desumanismo das discriminações? Provavelmente, nem ao menos ouvimos, ou pouco ouvimos, sobre a necessidade de aprender a nos colocarmos no lugar do outro e o analisarmos multifocalmente, para reconstruir interpretativamente, com menos distorções e mais adequação, suas dores e necessidades psicossociais. Provavelmente, até mesmo uma parte significativa dos estudantes de Psicologia e de especialização em Psiquiatria desconhecem as complexas distorções passíveis de ocorrer no processo de interpretação e, por isso, não são treinados psicossociofilosoficamente para aprender a reconstruir interpretativamente o “outro” e perceber suas dores e necessidades psicossociais, seus conflitos histórico-existenciais, a construção multifocal de seus pensamentos, sua dificuldade no gerenciamento dessa construção, etc.
Se temos graves falhas socioeducacionais na compreensão do “outro”, que dimensões não terão as falhas socioeducacionais que nos impedem de conquistar uma macrovisão intelectual da espécie humana? Nem ao menos percebemos que perdemos o sentido psicossocial de espécie. Temos um conhecimento superficial de que somos uma mesma espécie, mas “respiramos idéias” e “sentimos emoções” como se não fôssemos. Até entre vizinhos freqüentemente há muito mais do que um pequeno espaço físico que os separam; há também enormes barreiras psicossociais. Mesmo nas relações familiares, pais e filhos gastam horas e horas diariamente assistindo à TV ou navegando pela Internet, mas não gastam minutos sequer dialogando uns com os outros, explorando o mundo das idéias e das experiências.
O problema do homem deveria ser um problema da espécie humana, e o problema da espécie humana deveria ser um problema do homem. Não deveria haver intromissão na soberania sociopolítica, na cultura e nos direitos sociopolíticos de um cidadão em uma sociedade, mas deveria haver, na plenitude, uma cooperação humanística “intersociedades”, “intra-espécie”, na solução dos problemas biopsicossociais de cada sociedade.
Porém, infelizmente, apesar de conservarmos os laços genéticos, perdemos o sentido psicossocial de espécie, pois não compreendemos que o humanismo e a teoria da igualdade são decorrentes dos fenômenos que financiam a nossa capacidade de pensar e a nossa consciência existencial. Parafraseando o ex-presidente dos EUA, Abraham Lincoln, devemos nos perguntar o que podemos fazer pela nossa espécie e não o que a nossa espécie pode fazer por nós.
Devido à síndrome da exteriorização existencial, à interpretação inadequada do “outro” e à adaptação psíquica às misérias humanas, há uma tendência histórica de ocorrer violações dos direitos humanos irrigada com omissões sociopolíticas, o que compromete a viabilidade humanística da nossa espécie. Infelizmente, tem que haver nas sociedades modernas expressivas pressões sociopolíticas por parte da imprensa ou das ONGs (organizações não-governamentais) para que determinadas atitudes governamentais sejam tomadas, para que possa haver cooperação “intersociedade”. Parece que, sem a pressão sociopolítica, as sociedades, principalmente as mais ricas, perdem a macrovisão da espécie humana e se tornam insensíveis, adaptadas psiquicamente às misérias das nações mais pobres.
Como tenho dito, as sociedades humanas têm uma necessidade vital de políticos, empresários e líderes institucionais que tenham fome e sede de ser homens, apenas homens. Homens que não ambicionem ser supra-humanos, semideuses, que o mundo gravite em torno deles, mas homens que ambicionem ser homens, homens que elevem o padrão de sua humanidade. Homens que tenham uma macrovisão psicossociofilosófica da espécie humana e a valorize mais do que seu grupo social de interesse. Homens que valorizem mais o mundo das idéias do que a estética social. Homens que se preocupem menos em inscrever seus nomes nos anais da história e mais com a práxis da cidadania, do humanismo e da democracia das idéias; homens que não apenas percebam suas necessidades psicossociais, mas também que aprendam a perceber as necessidades de sua sociedade.
Cientificamente falando, a cadeia de distorções ligadas à interpretação do “outro”, impostas pela comunicação social mediada, pela insensibilidade intelecto-emocional decorrente do fenômeno da psicoadaptação, pelo sistema de cointerferências das variáveis da interpretação ocorrida nos processos de construção multifocal dos pensamentos, só pode ser superada e, ainda assim, parcialmente, se o homem compreender esses mecanismos distorcidos, se compreender determinados limites e o alcance dos pensamentos dialéticos; se aprender a se interiorizar, a se reciclar, a desenvolver a arte da dúvida e da crítica, e a gerenciar a construção multifocal de pensamentos com consciência crítica. A educação tradicional, por ser exteriorizante e “a-histórico-crítico-existencial”, é incapaz de desenvolver coletivamente essas funções nobres da inteligência multifocal, de formar engenheiros de idéias humanistas e pensadores que apreciem a democracia das idéias e tenham uma macrovisão da espécie humana. A educação que forma pensadores e engenheiros de idéias é aquela que estimula o processo de interiorização, o exercício da arte de pensar, a compreensão da formação da inteligência multifocal, a reciclagem da história intrapsíquica, a compreensão dos alicerces básicos do processo de interpretação, a arte de ouvir, o apreço pelo humanismo e pela democracia das idéias, etc.
Na vida social coloquial, ter a sensibilidade de aprender a se colocar no lugar do outro e perceber suas dores e necessidades psicossociais já é um grande avanço humanístico. Mas, infelizmente, acredito que a maioria das pessoas só tem sensibilidade para perceber suas próprias angústias, desejos e necessidades. O mundo do outro é quase imperceptível a elas; por isso, quando ouvem o outro elas compreendem apenas a semântica “seca” das palavras que ele profere, mas não os segredos que essas palavras expressam nas entrelinhas, e nem o que a expressão facial e o silêncio traduzem.
O mutismo social, expresso por falarmos muito do “mundo em que estamos”, mas falarmos pouco sobre o “mundo que somos”, revela o superficialismo das relações sociais que construímos. Podemos conviver durante décadas com pessoas e não conhecê-las intimamente, não penetrar em seus mundos intrapsíquicos e nem permitir que elas penetrem em nossos mundos. Numa sociedade mutista, o preconceituosismo satura as idéias e provoca um grande receio de se falar sobre o mundo que somos. Vivemos em sociedade, mas ilhados dentro de nós mesmos, como parceiros da solidão. Por isso, muitas pessoas se sentem sós, mesmo estando no meio de uma multidão, e muitas delas, como tenho dito, só conseguem se interiorizar e falar de si mesmas quando estão diante de um psiquiatra ou de um psicoterapeuta.
O psicoterapeuta, ao interpretar seus pacientes, pode se adaptar psiquicamente às suas misérias, fazendo da sua profissão apenas uma fonte de lucro, e produzir interpretações totalmente distorcidas, que dizem mais a respeito de si mesmo do que da personalidade dos seus pacientes. Os pais podem se adaptar psiquicamente às necessidades psicossociais dos seus filhos e não saber doar-se e trocar experiências com eles. Pais e filhos se tornam, assim, um grupo de estranhos vivendo dentro de uma mesma casa. Os professores podem se adaptar psíquica e superficialmente às imagens e aos comportamentos dos seus alunos e não perceber que, atrás de cada face, há um mundo a ser descoberto, um ser sofisticado que produz complexas cadeias de pensamentos e tem complexas necessidades psicossociais.” (Augusto Cury)
Temos que nos perguntar em que situação psicossocial estamos. Temos que nos perguntar se somos meros transeuntes existenciais, que passam pela vida sem criar raízes mais profundas dentro de si mesmos, ou se estamos nos interiorizando e expandindo nossa maturidade intelecto-emocional e aprimorando nosso humanismo e cidadania.
O conhecimento superficial da mente, bem como o empobrecimento do humanismo e da cidadania, não superam as barreiras da interpretação geradas pela comunicação mediada, pelo fenômeno da psicoadaptação e pela co-interferência de um conjunto de outras variáveis. Não é incomum que os governantes das nações mais ricas se adaptem psiquicamente diante da miséria das nações mais pobres e se tornem omissos sociopoliticamente, desculpando e camuflando suas omissões através da preocupação com seus problemas domésticos.
Se acharmos que o problema do outro é de responsabilidade apenas da sociedade e das instituições sociais em que ele está inserido, estamos negando o fantástico salto da memória instintivo-genética para a memória histórico-existencial que financia a construção de pensamentos e a formação da consciência existencial, capazes de nos levar a compreender que, independentemente das distâncias geográficas, culturais, raciais, políticas, somos uma única espécie.
O processo socioeducacional superficialista impede-nos de ter uma macrovisão psicossociofilosófica da espécie humana. Quem é que ouviu dos seus professores, na sua trajetória escolar, uma defesa “contínua” e “apaixonada” pela unidade da espécie humana, capaz de provocar uma conscientização sobre a perda do sentido psicossocial da espécie e sobre a necessidade vital de cooperação social intra-espécie; capaz de proclamar o espetáculo da construção multifocal dos pensamentos na mente de cada ser humano e de evidenciar a desinteligência e o desumanismo das discriminações? Provavelmente, nem ao menos ouvimos, ou pouco ouvimos, sobre a necessidade de aprender a nos colocarmos no lugar do outro e o analisarmos multifocalmente, para reconstruir interpretativamente, com menos distorções e mais adequação, suas dores e necessidades psicossociais. Provavelmente, até mesmo uma parte significativa dos estudantes de Psicologia e de especialização em Psiquiatria desconhecem as complexas distorções passíveis de ocorrer no processo de interpretação e, por isso, não são treinados psicossociofilosoficamente para aprender a reconstruir interpretativamente o “outro” e perceber suas dores e necessidades psicossociais, seus conflitos histórico-existenciais, a construção multifocal de seus pensamentos, sua dificuldade no gerenciamento dessa construção, etc.
Se temos graves falhas socioeducacionais na compreensão do “outro”, que dimensões não terão as falhas socioeducacionais que nos impedem de conquistar uma macrovisão intelectual da espécie humana? Nem ao menos percebemos que perdemos o sentido psicossocial de espécie. Temos um conhecimento superficial de que somos uma mesma espécie, mas “respiramos idéias” e “sentimos emoções” como se não fôssemos. Até entre vizinhos freqüentemente há muito mais do que um pequeno espaço físico que os separam; há também enormes barreiras psicossociais. Mesmo nas relações familiares, pais e filhos gastam horas e horas diariamente assistindo à TV ou navegando pela Internet, mas não gastam minutos sequer dialogando uns com os outros, explorando o mundo das idéias e das experiências.
O problema do homem deveria ser um problema da espécie humana, e o problema da espécie humana deveria ser um problema do homem. Não deveria haver intromissão na soberania sociopolítica, na cultura e nos direitos sociopolíticos de um cidadão em uma sociedade, mas deveria haver, na plenitude, uma cooperação humanística “intersociedades”, “intra-espécie”, na solução dos problemas biopsicossociais de cada sociedade.
Porém, infelizmente, apesar de conservarmos os laços genéticos, perdemos o sentido psicossocial de espécie, pois não compreendemos que o humanismo e a teoria da igualdade são decorrentes dos fenômenos que financiam a nossa capacidade de pensar e a nossa consciência existencial. Parafraseando o ex-presidente dos EUA, Abraham Lincoln, devemos nos perguntar o que podemos fazer pela nossa espécie e não o que a nossa espécie pode fazer por nós.
Devido à síndrome da exteriorização existencial, à interpretação inadequada do “outro” e à adaptação psíquica às misérias humanas, há uma tendência histórica de ocorrer violações dos direitos humanos irrigada com omissões sociopolíticas, o que compromete a viabilidade humanística da nossa espécie. Infelizmente, tem que haver nas sociedades modernas expressivas pressões sociopolíticas por parte da imprensa ou das ONGs (organizações não-governamentais) para que determinadas atitudes governamentais sejam tomadas, para que possa haver cooperação “intersociedade”. Parece que, sem a pressão sociopolítica, as sociedades, principalmente as mais ricas, perdem a macrovisão da espécie humana e se tornam insensíveis, adaptadas psiquicamente às misérias das nações mais pobres.
Como tenho dito, as sociedades humanas têm uma necessidade vital de políticos, empresários e líderes institucionais que tenham fome e sede de ser homens, apenas homens. Homens que não ambicionem ser supra-humanos, semideuses, que o mundo gravite em torno deles, mas homens que ambicionem ser homens, homens que elevem o padrão de sua humanidade. Homens que tenham uma macrovisão psicossociofilosófica da espécie humana e a valorize mais do que seu grupo social de interesse. Homens que valorizem mais o mundo das idéias do que a estética social. Homens que se preocupem menos em inscrever seus nomes nos anais da história e mais com a práxis da cidadania, do humanismo e da democracia das idéias; homens que não apenas percebam suas necessidades psicossociais, mas também que aprendam a perceber as necessidades de sua sociedade.
Cientificamente falando, a cadeia de distorções ligadas à interpretação do “outro”, impostas pela comunicação social mediada, pela insensibilidade intelecto-emocional decorrente do fenômeno da psicoadaptação, pelo sistema de cointerferências das variáveis da interpretação ocorrida nos processos de construção multifocal dos pensamentos, só pode ser superada e, ainda assim, parcialmente, se o homem compreender esses mecanismos distorcidos, se compreender determinados limites e o alcance dos pensamentos dialéticos; se aprender a se interiorizar, a se reciclar, a desenvolver a arte da dúvida e da crítica, e a gerenciar a construção multifocal de pensamentos com consciência crítica. A educação tradicional, por ser exteriorizante e “a-histórico-crítico-existencial”, é incapaz de desenvolver coletivamente essas funções nobres da inteligência multifocal, de formar engenheiros de idéias humanistas e pensadores que apreciem a democracia das idéias e tenham uma macrovisão da espécie humana. A educação que forma pensadores e engenheiros de idéias é aquela que estimula o processo de interiorização, o exercício da arte de pensar, a compreensão da formação da inteligência multifocal, a reciclagem da história intrapsíquica, a compreensão dos alicerces básicos do processo de interpretação, a arte de ouvir, o apreço pelo humanismo e pela democracia das idéias, etc.
Na vida social coloquial, ter a sensibilidade de aprender a se colocar no lugar do outro e perceber suas dores e necessidades psicossociais já é um grande avanço humanístico. Mas, infelizmente, acredito que a maioria das pessoas só tem sensibilidade para perceber suas próprias angústias, desejos e necessidades. O mundo do outro é quase imperceptível a elas; por isso, quando ouvem o outro elas compreendem apenas a semântica “seca” das palavras que ele profere, mas não os segredos que essas palavras expressam nas entrelinhas, e nem o que a expressão facial e o silêncio traduzem.
O mutismo social, expresso por falarmos muito do “mundo em que estamos”, mas falarmos pouco sobre o “mundo que somos”, revela o superficialismo das relações sociais que construímos. Podemos conviver durante décadas com pessoas e não conhecê-las intimamente, não penetrar em seus mundos intrapsíquicos e nem permitir que elas penetrem em nossos mundos. Numa sociedade mutista, o preconceituosismo satura as idéias e provoca um grande receio de se falar sobre o mundo que somos. Vivemos em sociedade, mas ilhados dentro de nós mesmos, como parceiros da solidão. Por isso, muitas pessoas se sentem sós, mesmo estando no meio de uma multidão, e muitas delas, como tenho dito, só conseguem se interiorizar e falar de si mesmas quando estão diante de um psiquiatra ou de um psicoterapeuta.
O psicoterapeuta, ao interpretar seus pacientes, pode se adaptar psiquicamente às suas misérias, fazendo da sua profissão apenas uma fonte de lucro, e produzir interpretações totalmente distorcidas, que dizem mais a respeito de si mesmo do que da personalidade dos seus pacientes. Os pais podem se adaptar psiquicamente às necessidades psicossociais dos seus filhos e não saber doar-se e trocar experiências com eles. Pais e filhos se tornam, assim, um grupo de estranhos vivendo dentro de uma mesma casa. Os professores podem se adaptar psíquica e superficialmente às imagens e aos comportamentos dos seus alunos e não perceber que, atrás de cada face, há um mundo a ser descoberto, um ser sofisticado que produz complexas cadeias de pensamentos e tem complexas necessidades psicossociais.” (Augusto Cury)
quarta-feira, 13 de maio de 2009
Você é um Patriota?
"Você sabe qual o significado da palavra "Patriota"?
Patriota é aquele que ama o país em que nasceu (terra natal), ou o qual pertence como cidadão, e procura servi-la.
Você se considera "patriota"?
Em muitas nações o patriotismo é bem claro! Muitos povos até parecem viver em função de seus países.
No Brasil esse patriotismo não é tão latente, apesar de não haver dúvidas quanto ao apreço pelo país. Qualquer um de nós se sente ofendido quando testemunha um desrespeito pela nossa nação. Apesar de ter essa noção de que você se incomoda quando há desdém da sua "terra natal", o quanto você está disposto a defendê-la?
Se for algo contra seus melhores amigos, seguramente você não aceitaria! Contra a sua família, nem pensar, ninguém tem o direito de dizer nada sobre eles, seja o que for! Enfim, parece que a convicção de pertencer a certo contexto, nos motiva defendê-lo! Certamente também existem aqueles que não dão a mínima importância para a sua nacionalidade, "cada um com seus problemas"! Você é um desses?
Paulo, andando em Atenas, principal cidade da Grécia naquela época, começou a se incomodar com o alto nível de idolatria daquele povo. Por todos os lados se via muitas imagens de diversos deuses. Paulo não se sentiu a vontade com aquela visão. Sabia que a idolatria é uma afronta a Soberania de Deus? O apóstolo não aceitou essa "ofensa" e, amando aquele povo, procurou de alguma forma levar o esclarecimento, as Boas Novas do Evangelho de Cristo, àquela nação.
Percebem?
Paulo não levantou uma guerra contra as pessoas, mas amando-as fez o possível para que todos viessem a conhecer Jesus Cristo. Ele não desejou simplesmente anunciar a sua própria nacionalidade", mas desejou ver aquela nação fazendo parte da nação de Deus. Quero lembrá-lo que Jesus enviou a "todos" - eu e você - para que apresentássemos Aquele que pode dar a Salvação Eterna. Será que a incredulidade, a idolatria, a falta de Deus, ao seu redor não o incomoda? Somente àqueles que pertencem à família do Senhor, estão dispostos a fazer algo pelo Reino. Será que você é um desses?"
Patriota é aquele que ama o país em que nasceu (terra natal), ou o qual pertence como cidadão, e procura servi-la.
Você se considera "patriota"?
Em muitas nações o patriotismo é bem claro! Muitos povos até parecem viver em função de seus países.
No Brasil esse patriotismo não é tão latente, apesar de não haver dúvidas quanto ao apreço pelo país. Qualquer um de nós se sente ofendido quando testemunha um desrespeito pela nossa nação. Apesar de ter essa noção de que você se incomoda quando há desdém da sua "terra natal", o quanto você está disposto a defendê-la?
Se for algo contra seus melhores amigos, seguramente você não aceitaria! Contra a sua família, nem pensar, ninguém tem o direito de dizer nada sobre eles, seja o que for! Enfim, parece que a convicção de pertencer a certo contexto, nos motiva defendê-lo! Certamente também existem aqueles que não dão a mínima importância para a sua nacionalidade, "cada um com seus problemas"! Você é um desses?
Paulo, andando em Atenas, principal cidade da Grécia naquela época, começou a se incomodar com o alto nível de idolatria daquele povo. Por todos os lados se via muitas imagens de diversos deuses. Paulo não se sentiu a vontade com aquela visão. Sabia que a idolatria é uma afronta a Soberania de Deus? O apóstolo não aceitou essa "ofensa" e, amando aquele povo, procurou de alguma forma levar o esclarecimento, as Boas Novas do Evangelho de Cristo, àquela nação.
Percebem?
Paulo não levantou uma guerra contra as pessoas, mas amando-as fez o possível para que todos viessem a conhecer Jesus Cristo. Ele não desejou simplesmente anunciar a sua própria nacionalidade", mas desejou ver aquela nação fazendo parte da nação de Deus. Quero lembrá-lo que Jesus enviou a "todos" - eu e você - para que apresentássemos Aquele que pode dar a Salvação Eterna. Será que a incredulidade, a idolatria, a falta de Deus, ao seu redor não o incomoda? Somente àqueles que pertencem à família do Senhor, estão dispostos a fazer algo pelo Reino. Será que você é um desses?"
segunda-feira, 11 de maio de 2009
O país da brutalidade (Jean Marcel Carvalho França)

A violência é uma constante na história do Brasil, assim como o mito do “povo pacífico”
Os portugueses, quando olham para si próprios, enxergam-se como um “povo de brandos costumes”, embora ninguém saiba lá muito bem o que isso quer dizer. Do lado de cá do Atlântico, contrariando um discreto espírito anti-lusitano que cultivamos, copiamos, nesse ponto, o “colonizador” e, estranhamente, gostamos de pensarmos a nós próprios como um “povo pacífico”. E isso malgrado termos presidiários que “picam” os colegas de cárcere, índios que exterminam garimpeiros e verdadeiras faixas de Gaza nas periferias das grandes cidades, para ficarmos em uns poucos exemplos.
Curioso é que tal incongruência vem de longa data, pois, nem é nova a idéia de um “povo pacífico” e, menos ainda, a violência cotidiana do país. A bem da verdade, o mundo que, sob a “tutela” dos colonos brancos, negros, índios e mestiços criaram nos trópicos nasceu violento e nunca deixou de sê-lo, ainda que cultivemos um gosto meio esquizóide em dizer o contrário.
O tal “encontro” entre brancos e índios, mito fundador da nossa cultura desde o romantismo, teve, como é sabido, um custo humano altíssimo. Temos um dileto gosto por Caminha e pelos seus reiterados e simpáticos elogios aos índios -“porque certo esta gente é boa e de boa simplicidade”-, mas os sentimentos, digamos, predominantes em relação ao “gentio”, sentimentos que condicionaram a ação dos “impávidos” colonizadores europeus, são melhor traduzidos pela pena de Gândavo que, em 1576, na sua “História da província de Santa Cruz”, asseverou: “são desagradecidos em grão maneira e mui desumanos e cruéis, inclinados a pelejar, e vingativos por extremo. Vivem todos mui descansados, sem terem outros pensamentos senão de comer, beber e matar gente (...)”.
Ora, tal perspectiva não parece remeter para uma relação muito harmônica entre colonizador e autóctone, parece, sim, indicar ânimos exaltados, desconfiança, violência. Uma violência, vale destacar, totalmente naturalizada, incorporada ao cotidiano das gentes dos trópicos. A “redução” do bárbaro, como então se dizia, era mesmo motivo de grande celebração pública, de regozijo para a população.
Recordemos, entre tantos exemplos possíveis, a enorme festa preparada pelo governador Afonso Furtado, em 1673, para receber os bandeirantes que contratara com o intuito de exterminar “os gentios bárbaros” que atemorizavam a população da Bahia. Acerca da entrada dos “prisioneiros de guerra” na cidade de Salvador, diz um coetâneo: “Era isto nos últimos dias do mês de agosto, dia alegre e festivo para todo o povo, pois chegavam a ver debaixo do seu jugo aqueles cuja causa tanto padeciam”. O mesmo observador, mais adiante, depois de descrever a longa procissão dos desgraçados, conclui, “marchava esta gente, casa pessoa, homem ou mulher, uma após da outra, tocando, a trechos, seus instrumentos, se para nós (ainda que bárbaros) alegres, para eles, tristes”.
O que esperar, porém, de homens na sua maioria brutos e iletrados, homens que se dispunham a habitar lugares em que, como conta, em 1769, o sargento-mor Teotônio José Juzarte, no seu “Diário da Navegação”, durante a noite era preciso andar com um pano no rosto para evitar que uma das milhares de baratas que voavam na mais completa escuridão entrasse pela boca adentro? O que esperar de homens que estabeleciam entre si -brancos livres- relações também elas permeadas pela violência e pelo mando? Não por acaso, mais de um estrangeiro que visitou as cidades coloniais brasileiras notou que as autoridades tratavam a população com uma “severidade pouco comum”.
O renomado capitão James Cook, por exemplo, chegou a registrar, em 1768, que os habitantes se comportavam em relação às tropas regulares “de uma maneira muito humilde e submissa”. Ainda segundo o capitão, a coisa ganhava tais proporções em matéria de arbitrariedade e violência que, se uma pessoa não tirasse o seu chapéu quando passasse por um oficial, corria o risco de ser espancada. Cook concluiu que “esse excesso de arrogância e de dureza” tornava o povo “extremamente submisso em relação a todo e qualquer desconhecido que tenha um ar acima do comum”.
Mas o que esperar, sobretudo, de homens que, desde muito cedo, se acostumaram a manter com o enorme contingente de negros e mulatos da população uma relação sustentada em grande parte na brutalidade e no mando? Admitamos até que Gilberto Freyre tenha razão, que realmente as relações entre senhores e escravos no Brasil mostraram-se mais “amenas” do que em outras partes da América -afinal, somos um “povo pacífico”, colonizado por um povo de “brandos costumes”.
Isso em pouco ou nada diminuiu o caráter intrinsecamente violento de uma sociedade onde uns eram “tratados como brutos” e outros “adorados e temidos como deuses”, como dizia Vieira. E não se trata somente daqueles casos, digamos, pontuais, daqueles casos em que a violência é extrema, como na cena descrita pelo holandês Dierick Ruiters em 1618: “Vi, certa feita, um negro faminto que, para encher a barriga, furtara dois pães de açúcar. Seu senhor, ao saber do ocorrido, mandou amarrá-lo de bruços a uma tábua e, em seguida, ordenou que um negro o surrasse com um chicote de couro. Seu corpo ficou, da cabeça aos pés, uma chaga aberta, e os lugares poupados pelo chicote foram lacerados à faca. Terminado o castigo, um outro negro derramou sobre suas feridas um pote contendo vinagre e sal. O infeliz, sempre amarrado, contorcia-se de dor. Tive, por mais que me chocasse, de presenciar a transformação de um homem em carne de boi salgada e, como se isso não bastasse, de ver derramarem sobre suas feridas piche derretido. O negro gritava de tocar o coração. Deixaram-no toda uma noite, de joelhos, preso pelo pescoço a um bloco, como um mísero animal, sem cuidarem de suas feridas”.
A violência da escravidão nem sempre é tão “espetacular”, se o fosse certamente não seria suportável e não teria vida tão longa. A sociedade colonial destilou-a nos pequenos gestos, nos ditos ambíguos, no tratamento ríspido e autoritário dispensado aos hierarquicamente inferiores, nos sutis mas agressivos “delitos faciais” que criou, no desprezo catolicamente consternado pela miséria, em suma, destilou-a nos hábitos comezinhos, naturalizando-a e tornando-a parte constitutiva do “modus vivendi” que gradativamente os habitantes locais passaram a denominar brasileiro.
Já Joaquim Nabuco, no seu libelo “A escravidão”, publicado em 1868, alertava, a seu modo, para essa violência cotidiana e de longa duração que a escravidão inoculara na sociedade brasileira. As gerações vindouras, destacava o escritor, herdarão um enorme passivo deixado pela sociedade escravista, um passivo composto em larga medida pelos vícios e perversões de um mundo de homens acostumados ao exercício do poder sem limites, de um mundo violento. Ouçamos o próprio Nabuco: “Vivendo a escravidão com a sociedade intimamente, adaptou-se a ela, comunicou-lhe os seus vícios, carregou de opróbrio seu passado e de sombras o seu futuro; eis como o punhal, com que durante cerca de quatro séculos a raça branca feriu a raça negra, levanta-se hoje sobre o seu coração envenenado nas chagas da vítima”.
E nunca é demais lembrar que o “flagelo do cativeiro de negros”, como gostam os oitocentistas, acabou há menos de um século e meio. Muito tempo? Nem tanto para uma prática que durou mais de três séculos entre nós e foi, queiramos ou não, constitutiva daquilo que entendemos por sociedade e povo brasileiros. É difícil crer que, alicerçada em tais bases, esta mesma sociedade, tradicionalmente muito lenta em corrigir distorções e reticente em discutir e alterar padrões, pudesse ou possa produzir um “povo pacífico”, um povo de “bom coração”, como se costuma dizer.
Os portugueses, quando olham para si próprios, enxergam-se como um “povo de brandos costumes”, embora ninguém saiba lá muito bem o que isso quer dizer. Do lado de cá do Atlântico, contrariando um discreto espírito anti-lusitano que cultivamos, copiamos, nesse ponto, o “colonizador” e, estranhamente, gostamos de pensarmos a nós próprios como um “povo pacífico”. E isso malgrado termos presidiários que “picam” os colegas de cárcere, índios que exterminam garimpeiros e verdadeiras faixas de Gaza nas periferias das grandes cidades, para ficarmos em uns poucos exemplos.
Curioso é que tal incongruência vem de longa data, pois, nem é nova a idéia de um “povo pacífico” e, menos ainda, a violência cotidiana do país. A bem da verdade, o mundo que, sob a “tutela” dos colonos brancos, negros, índios e mestiços criaram nos trópicos nasceu violento e nunca deixou de sê-lo, ainda que cultivemos um gosto meio esquizóide em dizer o contrário.
O tal “encontro” entre brancos e índios, mito fundador da nossa cultura desde o romantismo, teve, como é sabido, um custo humano altíssimo. Temos um dileto gosto por Caminha e pelos seus reiterados e simpáticos elogios aos índios -“porque certo esta gente é boa e de boa simplicidade”-, mas os sentimentos, digamos, predominantes em relação ao “gentio”, sentimentos que condicionaram a ação dos “impávidos” colonizadores europeus, são melhor traduzidos pela pena de Gândavo que, em 1576, na sua “História da província de Santa Cruz”, asseverou: “são desagradecidos em grão maneira e mui desumanos e cruéis, inclinados a pelejar, e vingativos por extremo. Vivem todos mui descansados, sem terem outros pensamentos senão de comer, beber e matar gente (...)”.
Ora, tal perspectiva não parece remeter para uma relação muito harmônica entre colonizador e autóctone, parece, sim, indicar ânimos exaltados, desconfiança, violência. Uma violência, vale destacar, totalmente naturalizada, incorporada ao cotidiano das gentes dos trópicos. A “redução” do bárbaro, como então se dizia, era mesmo motivo de grande celebração pública, de regozijo para a população.
Recordemos, entre tantos exemplos possíveis, a enorme festa preparada pelo governador Afonso Furtado, em 1673, para receber os bandeirantes que contratara com o intuito de exterminar “os gentios bárbaros” que atemorizavam a população da Bahia. Acerca da entrada dos “prisioneiros de guerra” na cidade de Salvador, diz um coetâneo: “Era isto nos últimos dias do mês de agosto, dia alegre e festivo para todo o povo, pois chegavam a ver debaixo do seu jugo aqueles cuja causa tanto padeciam”. O mesmo observador, mais adiante, depois de descrever a longa procissão dos desgraçados, conclui, “marchava esta gente, casa pessoa, homem ou mulher, uma após da outra, tocando, a trechos, seus instrumentos, se para nós (ainda que bárbaros) alegres, para eles, tristes”.
O que esperar, porém, de homens na sua maioria brutos e iletrados, homens que se dispunham a habitar lugares em que, como conta, em 1769, o sargento-mor Teotônio José Juzarte, no seu “Diário da Navegação”, durante a noite era preciso andar com um pano no rosto para evitar que uma das milhares de baratas que voavam na mais completa escuridão entrasse pela boca adentro? O que esperar de homens que estabeleciam entre si -brancos livres- relações também elas permeadas pela violência e pelo mando? Não por acaso, mais de um estrangeiro que visitou as cidades coloniais brasileiras notou que as autoridades tratavam a população com uma “severidade pouco comum”.
O renomado capitão James Cook, por exemplo, chegou a registrar, em 1768, que os habitantes se comportavam em relação às tropas regulares “de uma maneira muito humilde e submissa”. Ainda segundo o capitão, a coisa ganhava tais proporções em matéria de arbitrariedade e violência que, se uma pessoa não tirasse o seu chapéu quando passasse por um oficial, corria o risco de ser espancada. Cook concluiu que “esse excesso de arrogância e de dureza” tornava o povo “extremamente submisso em relação a todo e qualquer desconhecido que tenha um ar acima do comum”.
Mas o que esperar, sobretudo, de homens que, desde muito cedo, se acostumaram a manter com o enorme contingente de negros e mulatos da população uma relação sustentada em grande parte na brutalidade e no mando? Admitamos até que Gilberto Freyre tenha razão, que realmente as relações entre senhores e escravos no Brasil mostraram-se mais “amenas” do que em outras partes da América -afinal, somos um “povo pacífico”, colonizado por um povo de “brandos costumes”.
Isso em pouco ou nada diminuiu o caráter intrinsecamente violento de uma sociedade onde uns eram “tratados como brutos” e outros “adorados e temidos como deuses”, como dizia Vieira. E não se trata somente daqueles casos, digamos, pontuais, daqueles casos em que a violência é extrema, como na cena descrita pelo holandês Dierick Ruiters em 1618: “Vi, certa feita, um negro faminto que, para encher a barriga, furtara dois pães de açúcar. Seu senhor, ao saber do ocorrido, mandou amarrá-lo de bruços a uma tábua e, em seguida, ordenou que um negro o surrasse com um chicote de couro. Seu corpo ficou, da cabeça aos pés, uma chaga aberta, e os lugares poupados pelo chicote foram lacerados à faca. Terminado o castigo, um outro negro derramou sobre suas feridas um pote contendo vinagre e sal. O infeliz, sempre amarrado, contorcia-se de dor. Tive, por mais que me chocasse, de presenciar a transformação de um homem em carne de boi salgada e, como se isso não bastasse, de ver derramarem sobre suas feridas piche derretido. O negro gritava de tocar o coração. Deixaram-no toda uma noite, de joelhos, preso pelo pescoço a um bloco, como um mísero animal, sem cuidarem de suas feridas”.
A violência da escravidão nem sempre é tão “espetacular”, se o fosse certamente não seria suportável e não teria vida tão longa. A sociedade colonial destilou-a nos pequenos gestos, nos ditos ambíguos, no tratamento ríspido e autoritário dispensado aos hierarquicamente inferiores, nos sutis mas agressivos “delitos faciais” que criou, no desprezo catolicamente consternado pela miséria, em suma, destilou-a nos hábitos comezinhos, naturalizando-a e tornando-a parte constitutiva do “modus vivendi” que gradativamente os habitantes locais passaram a denominar brasileiro.
Já Joaquim Nabuco, no seu libelo “A escravidão”, publicado em 1868, alertava, a seu modo, para essa violência cotidiana e de longa duração que a escravidão inoculara na sociedade brasileira. As gerações vindouras, destacava o escritor, herdarão um enorme passivo deixado pela sociedade escravista, um passivo composto em larga medida pelos vícios e perversões de um mundo de homens acostumados ao exercício do poder sem limites, de um mundo violento. Ouçamos o próprio Nabuco: “Vivendo a escravidão com a sociedade intimamente, adaptou-se a ela, comunicou-lhe os seus vícios, carregou de opróbrio seu passado e de sombras o seu futuro; eis como o punhal, com que durante cerca de quatro séculos a raça branca feriu a raça negra, levanta-se hoje sobre o seu coração envenenado nas chagas da vítima”.
E nunca é demais lembrar que o “flagelo do cativeiro de negros”, como gostam os oitocentistas, acabou há menos de um século e meio. Muito tempo? Nem tanto para uma prática que durou mais de três séculos entre nós e foi, queiramos ou não, constitutiva daquilo que entendemos por sociedade e povo brasileiros. É difícil crer que, alicerçada em tais bases, esta mesma sociedade, tradicionalmente muito lenta em corrigir distorções e reticente em discutir e alterar padrões, pudesse ou possa produzir um “povo pacífico”, um povo de “bom coração”, como se costuma dizer.
quinta-feira, 7 de maio de 2009
Amor Maior (Verônica)
O que fizeram com o amor de antigamente
Aquele que mandava rosas
Escrevia bilhetes
Convidava para sair
Caminhava de mãos dadas
pelas praças
Ia ao cinema
Tinha amigos em comum
Sentia saudades
Não temia ser taxado
de tão nobre sentimento?
O que fizeram com o Amor
Aquele que fazia brilhar os olhos
Renascer a alma
Evoluir o espírito
Idealizado
Ilustrado
registrado nas páginas de um ensebado livro
Mas tão esperado e cultivado
Por donzelas e cavalheiros?
O que fizeram do amor que unia vidas
Trazia lágrimas na hora da partida
Novamente unia
Constituía família
Gerava e educava filhos
Sentava-se à mesa com a família
Respeitava o Amor que tinha
Errava, mas desejava e fazia-se perdoado?
O que fizeram do amor guardado no peito
Desde meninos
Colhido no sorriso dos avós
Observado nos gestos de carinho dos pais
Cultivado na melhor lembrança de um sorriso
Toque de mãos
De um primeiro encontro
Nas festas, escola, ou em casa de amigos?
O que fizeram do amor registrado em cartas
Desenhado em árvores
Nas folhas dos cadernos
Nas carteiras
Nas paredes das salas de aula
Aprendido nas telas de cinema
Lido nos livros que contavam de príncipes e princesas?
O que fizeram com o amor de antigamente
guardado dentro do peito
Bordado em lençóis de rendas
Vislumbrado entre Cortinas rosas
Balbuciado no ouvido das amigas
Registrado nas folhas do meu diário?
O que fizeram de Salomão e sua Rosa de Sarom
Do cortejo, da reconciliação do inalterável amor
que desceu ao jardim para se alimentar
colher lírios e não se deixou por outra enfeitiçar?
Conjuro-vos, ó desejosos de amor eterno
Que não me acordeis, nem me desperteis no meu sonho de Amor
Até que eu queria...
Aquele que mandava rosas
Escrevia bilhetes
Convidava para sair
Caminhava de mãos dadas
pelas praças
Ia ao cinema
Tinha amigos em comum
Sentia saudades
Não temia ser taxado
de tão nobre sentimento?
O que fizeram com o Amor
Aquele que fazia brilhar os olhos
Renascer a alma
Evoluir o espírito
Idealizado
Ilustrado
registrado nas páginas de um ensebado livro
Mas tão esperado e cultivado
Por donzelas e cavalheiros?
O que fizeram do amor que unia vidas
Trazia lágrimas na hora da partida
Novamente unia
Constituía família
Gerava e educava filhos
Sentava-se à mesa com a família
Respeitava o Amor que tinha
Errava, mas desejava e fazia-se perdoado?
O que fizeram do amor guardado no peito
Desde meninos
Colhido no sorriso dos avós
Observado nos gestos de carinho dos pais
Cultivado na melhor lembrança de um sorriso
Toque de mãos
De um primeiro encontro
Nas festas, escola, ou em casa de amigos?
O que fizeram do amor registrado em cartas
Desenhado em árvores
Nas folhas dos cadernos
Nas carteiras
Nas paredes das salas de aula
Aprendido nas telas de cinema
Lido nos livros que contavam de príncipes e princesas?
O que fizeram com o amor de antigamente
guardado dentro do peito
Bordado em lençóis de rendas
Vislumbrado entre Cortinas rosas
Balbuciado no ouvido das amigas
Registrado nas folhas do meu diário?
O que fizeram de Salomão e sua Rosa de Sarom
Do cortejo, da reconciliação do inalterável amor
que desceu ao jardim para se alimentar
colher lírios e não se deixou por outra enfeitiçar?
Conjuro-vos, ó desejosos de amor eterno
Que não me acordeis, nem me desperteis no meu sonho de Amor
Até que eu queria...
sábado, 2 de maio de 2009
Difícil tarefa de conviver (Armando Bueno de Carvalho)

Qual o parâmetro que usamos para nos analisar? O que somos ou não somos é sempre a partir do outro. Quanto de nós está no outro, quanto de reflexo do outro está em nós? Quanto de nós é delegado para que o outro controle? Lamentavelmente, muitas vezes, delegamos tudo. Colocamos toda responsabilidade de decisão para o outro. Situação cômoda é não ter compromisso com as conseqüências, total alienação, é o divórcio de si mesmo. Vivemos em um mundo de transferência e acusação, transferimos nossas culpas e razões para o outro e com isso minimizamos nossa responsabilidade e nos vitimizamos. Torna-se cômoda nossa autoconvivência “não tenho sorte na vida” auto-piedade. Mas a que nos remete essa situação, senão ao amadurecimento emocional. Características do amadurecimento emocional como: autoconhecimento, maturidade, coerência, superação, luta, culpas, resistência, alegria, liberdade etc, estão ligadas à idade. Os mais velhos carregam hábitos e preconceitos arraigados, os mais jovens pouca ou nenhuma experiência, os do meio, não são tão sábios como gostariam e muitas vezes vivem uma adolescência retardada ou uma velhice antecipada, portanto, emocionalmente dúbios. Situações extremas refletem derrota, esbarram em nossos investimentos na vida, por isso nos são tão dolorosos, mas o quanto somos flexíveis ou resilentes? Quanto de medo (identificado) somos capazes de suportar, medos reais ou imaginários, medos do passado ou do futuro, medos que nos faz fugir à responsabilidade de viver a vida real. Conviver consigo mesmo impõe o paradoxo do espelho, pois contrastamos o eu real com o eu ideal, quanto disfarce se usa socialmente, quanta dor se suporta ao perceber, que o real é pior que o ideal, isso remete a lugar algum, a coisa alguma, é o vazio, não aceito o que sou, pois tenho um eu ideal, que me traz satisfação e realização, portanto, não sou, não existo, não estou em lugar algum, não assumo ser o real, delego a condução da vida, torno-me vítima do acaso. A psicologia em muito pode ajudar, confie seu conflito a um profissional, por certo não assumirá sua vida, mas facilitará o entendimento do: Quem sou? Para que vivo? Para que morro? O quanto estou para a vida e o quanto a vida está para mim?
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