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sábado, 9 de agosto de 2008

Dia dos Pais

“Pai, você nem imagina o que aconteceu comigo esta semana. A minha mãe, cansada das minhas travessuras, resolveu me entregar de vez para o juiz. Bem que tentei pedir para ela não fazer isso, mas de nada adiantou, pois já estava decidida. Eu chorei quarenta minutos sem parar enquanto aquela psicóloga tentava em vão me consolar. No fundo, acho que tinha medo de voltar para o abrigo. Lembra? Já tinha ido pra lá uma vez, há três anos, quando ninguém queria tomar conta de mim. Fiquei completamente desolado. Dava murros nas paredes e na porta. Não aceitava de jeito algum ser abrigado. Resolvi fugir e saí correndo pela rua, para desespero de alguns funcionários do fórum. Só a minha mãe estava tranqüilamente sentada, ao longe, observando tudo. Um policial militar conseguiu me trazer de volta após muito custo. Arrebentei meu chinelo na ocasião, e confesso que ele estava bem velho. Acho que não liguei muito pra isso. Todos estavam sofrendo, mas não mais que eu. Fui para o abrigo contrariado e triste. Não tive alternativa.
Pai, onde você estava naquela hora crucial para mim? Por que não ajudou minha mãe a me criar? Por que você não me assumiu? Talvez, com sua ajuda, mamãe tivesse condições de arcar com a minha manutenção e educação. Será que você faz idéia do que é ser abrigado, pai? Tem noção do que é se sentir completamente só e desamparado? Queria que você estivesse ao meu lado neste momento, mas sei que isso é pedir muito, pois sequer chegou a me visitar uma única vez em todos esses anos.
Conheci vários meninos no abrigo desta vez. Quase todos sem pai. Alguns até que tiveram a sorte de ser registrados. Eu, nem isso. Um de meus colegas foi recolhido porque estava se prostituindo para comprar bolachas e poder jogar numa Lan House. O pai dele se separou da mãe quando ainda era bem pequeno. Ele me contou que chegaram até a passar fome quando o pai foi embora. Ficaram sem luz e também tiveram a água cortada. Já consigo entender porque ele resolveu se prostituir. Pelo menos conseguia levar algum dinheiro para casa. Se o pai dele assumisse os filhos que teve, talvez isso não tivesse acontecido, não é mesmo? Por que será que os pais se separam? Acho que eles não pensam nos filhos.
Pai, você não sabe quem eu encontrei por aqui. Aquele menino que foi meu amigo da outra vez em que estive abrigado. É, ele mesmo. Também está de volta. Coitado; é a terceira vez que está por aqui. Essa nova família que tinha se disposto a cuidar dele também o devolveu. E depois de quatro anos, que horror! Como alguém consegue ficar tanto tempo com uma criança, e depois devolvê-la assim, sem mais nem menos, como se fosse um nada nesta vida? Fiquei sabendo que, passado um ano, até hoje a família não ligou pra saber como ele está. Isso é terrível, não é mesmo, pai? Olha, eu preciso terminar essa conversa mental com você, pois a psicóloga que me acompanha aqui no abrigo está chegando para saber como estou. Sei que você existe, em algum lugar, então queria lhe desejar um feliz dia dos pais. É verdade! Eu gostaria muito de tê-lo conhecido. Talvez não precisasse passar por tudo o que estou passando. Um dia, é provável que eu também seja pai. Rezo sempre, e peço a Deus que me ajude a não abandonar meus filhos. Se você estivesse ao meu lado, tudo teria sido diferente. Mesmo assim, onde quer que você se encontre pai, um beijão pra você!” (Maria Regina Canhos Vicentin)

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