E por quê? Porque diariamente em cada família, em cada casa, mais e mais pessoas questionam a validade de lutar por certos objetivos que, há bem pouco tempo, jamais eram questionados.
Na maioria das vezes, os pais agem movidos pelo mais legítimo e verdadeiro desejo de acertar, de dar aos filhos o que de melhor eles têm. Nem sempre, porém, o conseguem. Tomemos por exemplo, a situação vivida atualmente pelos brasileiros. Como se sentem dirigentes mostra-se cada vez mais corrompida e corruptível; se o valor maior que parece imperar é apenas o de acumular mais e mais bens materiais; se o justo paga pelo pecador; se a lei parece proteger os que a violam; se a honestidade é premiada com o desprezo e a desconfiança, pensam os pais, como transmitir os velhos valores aos filhos? E para quê, se perguntam. Quantas vezes por dia vemos a falta de civilidade e de respeito ocorrer? Nos condomínios chiques os próprios moradores insistem em não observar as mínimas regras de convivência. Se o porteiro interfona para checar sobre a entrada de um visitante no prédio - norma estabelecida para todos -- sempre existem alguns que se sentem extremamente "ofendidos" e, por vezes, até destratam aqueles que, num outro momento, seriam severamente repreendidos se não fizerem o que se estabeleceu como regra. Nas ciclovias, o lazer - andar de bicicleta - virou conflito com os pedestres que têm que prestar muita atenção para não serem atropelados.
São homens, mulheres e crianças que preferem arriscar a vida de um semelhante a diminuir a velocidade, para não perder um segundozinho de prazer pessoal.
Vivemos um permanente bangue-bangue: tiros são disparados contra pessoas, por simples desentendimentos ou "fechadas". Na escola, os alunos esforçados, estudiosos e atentos são ridicularizados pelos demais que lhes colocam apelidos pejorativos como cê-dê-efe e outros. No trabalho, diferentes formas de bajulação substituem a produtividade e a seriedade como instrumento certo para promoções. Intrigas e "fofocas" são toleradas e até incentivadas como meio de "comunicação" enquanto os que agem lealmente são alijados do processo ou colocados em segundo plano.
Frente a tudo isso, os pais, repentinamente, sentem-se receosos e inseguros. Os próprios filhos são os primeiros a questionar: "só você é que faz assim!"; "os pais da fulana deixam..."; "ah, todo mundo faz!"; "você é quadrado"; "você já era..."; "por que eu não posso, se todo mundo vai?" Junte-se a isso tudo a influência extremamente forte dos meios de comunicação de massa, incentivando o consumismo e a adoção de valores materiais e imediatistas, e poderemos, sem dificuldade alguma, compreender a situação em que se encontram os pais. Preocupados em garantir um futuro para os filhos, defrontam-se com um contexto que os leva a questionar valores até então incorporados e transmitidos geração após geração, quase que automaticamente. "Será que meu filho não vai ser 'o bobão' do grupo? "Será que lhe estou dando o instrumental correto para viver nesse tipo de sociedade?"Perseguidos por essa nova onda de insegurança, os pais começam a deixar as coisas correrem "mais frouxas", digamos assim. Isto é: se o filho cola numa prova, eles não reprovam sua atitude, se o filho exige um carro porque fez dezoito anos, sentem-se obrigados a atendê-lo, já que todos os amigos desfrutam desse tipo de conforto. Se criança senta no sofá e deixa a vovó de pé, não é repreendida por isto. Se o menino empurra o coleguinha no jogo de futebol, para conseguir mais um ponto para a sua equipe, o pai por vezes até incentiva uma atitude "esperta". Se tem xerox no trabalho, o pai leva material do filho para reproduzir, "porque lá não pago" (mesmo sabendo que o serviço destina-se a cópias de material interno e exclusivamente de trabalho).
Com este tipo de visão, com este medo subjacente na cabeça, os pais deixam de lado muitas vezes, também as atitudes disciplinadoras, contaminados pela idéia de que "disciplinar" é coisa relacionada ao autoritarismo das velhas gerações.
Disciplinar filhos, desde que aja dentro de princípios de respeito, justiça e equilíbrio e visando a socialização das novas gerações, nada tem de antiquado ou de antiliberal. Uma criança que insiste, por exemplo, em ficar até as 4h30 da manhã na Internet e depois permanece dormindo toda a manhã, levantando às 14 h da tarde, precisa da orientação dos pais e do estabelecimento de limites. Sim, é um "barato" a Internet. Mas não para que se troque o dia pela noite, prejudicando o próprio desenvolvimento. Por que não estabelecer um horário-limite? Conversando com os filhos, pode-se chegar a acordos e definidos estes, zelar para que sejam cumpridos. Disciplinar é apenas isto: criar regras adequadas e equilibradas de vida e zelar pelo seu cumprimento. Outro exemplo: o jovem sai de casa e nega-se a dizer aonde vai. Afinal, alega, está saindo apenas para descer ao playground. Mas é importante ficar definido, desde cedo, que, mesmo nós, adultos quando saímos, dizemos aonde estamos indo. Mesmo que seja uma ida à esquina para comprar um jornal. Se nós nos habituamos a faze-lo, por que não nossos filhos? A ação disciplinadora, efetivada dentro de um contexto de diálogo, segurança e justiça, colabora enormemente para o estabelecimento de padrões éticos de conduta. É através de normas de disciplina que a criança aprende a ter tolerância à frustração, persistência e autocontrole, qualidades essenciais ao desenvolvimento de padrões éticos de conduta.
Se, ao contrário, não o fazemos, se deixamos tudo ao "Deus dará", se pautarmos nossas ações meramente pelo que vemos ocorrer à nossa volta, é desta forma também que as crianças das novas gerações começam a perceber o mundo: com uma lei para os outros, a coisa pública, a sociedade e os seus semelhantes.
É preciso acordar enquanto é tempo... As classes mais favorecidas economicamente têm o compromisso e o dever de providenciar recursos éticos sólidos, para tentar reverter o quadro extremamente injusto que vem corroendo o país.
Enquanto vêem seus filhos morrendo de fome, as camadas populares assistem aos exageros de gastos e ostentação de outros. O que se vê, o mais das vezes, é a substituição paulatina de valores como responsabilidade social, desejo de contribuir positivamente com a sociedade e os menos favorecidos, honestidade, lealdade, integridade, cooperação, solidariedade, honra, respeito e valorização dos mais velhos por outros, como desejo de subir na escala social a qualquer preço, imediatismo, materialismo, egocentrismo, utilitarismo, individualismo, vaidade, sem que se perceba que é nesse mesmo mundo que nossos filhos terão que viver.
O mundo que estamos construindo será constituído de indivíduos mais ou menos semelhantes àqueles que estamos criando dentro de nossos lares. Portanto, é bom não pensarmos somente no prazer imediato de nossos filhos, e, abandonando uma postura excessiva da sociedade. Se nossos propósitos são de proteção aos nossos filhos, não esperemos que, primeiro, nossos vizinhos, amigos e parentes comecem a agir eticamente, para, só então, o fazermos também. A ação ética é uma decisão de foro íntimo, não carece de aprovação dos demais. Quando acreditarmos nos nossos valores, realmente não precisamos nem queremos a aprovação nem o reconhecimento alheios. Eles passam a fazer parte de nós mesmos, passam a constituir o nosso próprio ser, e todas as nossas ações decorrem de e para eles. Quer dizer, por exemplo, que mesmo que não me tenham visto comer um danoninho no supermercado, eu pago por ele ao passar no caixa, porque sei que isto é o correto, o justo, o que gostaríamos que todos fizessem - mesmo sabendo que nem todos o fazem, nem por isso nossa certeza arrefece, nossa decisão muda. Este tipo de atitude é também uma atitude disciplinadora. Nosso exemplo ensina e disciplina muito mais que palavras e sermões.
Temos que voltar a agir de acordo com aquilo que cremos e não em função do que dizem ou fazem nossos vizinhos ou a sociedade. Só dessa forma, acreditando, agindo e nunca esmorecendo, poderemos passar esses conceitos para nossos filhos, garantindo-lhes de indivíduos conscientes, firmes e sólidos em suas convicções e crença de que todos têm direitos iguais perante a lei, bem como deveres.
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